2ª Edição
21 — 25
de Agosto '19
21 — 25
de Agosto '19
—
21 AGO
Quarta-feira
21 AGO
Quarta-feira
Concerto de abertura
"Gloria de Vivaldi"
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"Gloria de Vivaldi"
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22 AGO
Quinta-feira
22 AGO
Quinta-feira
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23 AGO
Sexta-feira
23 AGO
Sexta-feira
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24 AGO
Sábado
24 AGO
Sábado
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25 AGO
Domingo
25 AGO
Domingo
Recital de abertura
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
17h00, Sé de Évora
21 Agosto - Quarta-feira
"3 compositores Lusitanos para instrumentos de tecla"
Programa do Concerto
António Carreira c.1530-c.1594
Sexti toni, Fantasia a Quatro |
Ave Maria, a Quatro |
Fantasia a Quatro em Lá-Ré |
Canção a Quatro glosada |
Manuel Rodrigues Coelho c.1555-c.1635
Tento do primeiro tom por dê lá sol ré |
Dois versos sobre os passos do canto chão de Ave maris stella |
Kyrios de 1º tom por C Sol Fá Ut |
Tento do oitavo tom natural |
Pedro de Araújo fl.1663-1705
Meio registo de dois tiples de terceiro tom |
Obra de sexto tom |
Tento do segundo tom |
Batalha de sexto tom |
Músico
Sérgio Silva, Órgão
Concerto
"Gloria de Vivaldi"
"Gloria de Vivaldi"
21 Agosto - Quarta-feira
Parafraseando a comédia de William Shakespeare Sonho de uma Noite de Verão (c.1594), o concerto de hoje reúne três obras daquele que, a seu tempo, foi o compositor mais famoso da Europa, Antonio Vivaldi (1678-1741).
Nascido em Veneza, a 4 de Março de 1678, Antonio foi o segundo dos nove filhos de Camilla Calicchio e Giovanni Battista Vivaldi (c.1655-1736), importante violinista e membro fundador da Sovvegno dei musicisti di Santa Cecilia, a irmandade dos músicos venezianos.
Tendo estudado com seu pai e com Giovanni Legrenzi (1626-1690), Vivaldi seria ordenado padre em 1703, daí lhe advindo a alcunha de il Prete Rosso [o padre ruivo]. Dispensado das suas funções litúrgicas por questões de saúde, Vivaldi teve uma carreira fulgurante, quer como violinista virtuoso quer como compositor.
Uma parte substancial da sua produção de música sacra foi escrita para o afamado coro e orquestra femininos do Ospedale della Pietà, instituição veneziana com a qual manteve sucessivos vínculos, maestro di violino (1703-09 / 1711-15), maestro dei figlie di coro (1711-15) e maestro de’concerti (1716-17 / 1723-29 / 1735-40).
Composto c.1715, o salmo Laetatus sum RV 607 corresponde ao texto do salmo 121 [122 na Bíblia moderna], Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor, o 3º salmo do Ofício das Vésperas, circunstância para a qual terá sido escrito. Paradigmático do estilo conciso vivaldiano, o texto é declamado de forma silábica pelo coro, sobre um motivo ostinato nas cordas que trespassa toda a obra.
O mesmo não se poderá dizer do Gloria RV 589, uma das obras corais mais famosas da actualidade, desde a sua 1ª audição moderna, em 1939, em Siena, Itália. Composto c.1715, igualmente para o coro e orquestra femininos do Ospedale della Pietà, constitui-se como pedra angular do refinamento musical do Vivaldi.
O hino eucarístico, ou Doxologia Maior, como é igualmente conhecido, surge divido em 12 andamentos, segundo o cânone da missa concertata, com intervenções corais e árias para vozes solista, naquilo que constitui um dos traços mais fascinantes da música sacra do séc.XVIII, a interpenetração do sacro e do profano. De notar que a fuga final, Cum Sancto Spiritu é uma adaptação de Vivaldi do andamento correspondente do Gloria per due chori (1708) do compositor Giovanni Maria Ruggieri (fl.1665-c.1725). Vivaldi notabilizou-se, ainda, pela sua música instrumental, à época, conhecida e cultivada em toda a Europa. Tendo composto dezenas de concertos, a sua estrutura base radica no princípio do ritornello, um tema tocado pelo tutti instrumental, intercalado pelas passagens do instrumento solista [num padrão que se pode sintetizar da seguinte forma tutti-solo-tutti-solo-tutti]. Divididos em três andamentos, os concertos de Vivaldi primam pelo seu contraste de ambientes, em que o virtuosismo técnico dos andamentos balizantes dá lugar a um forte lirismo do andamento intermédio.
Verdadeiro tour-de-force, dado o inusitado virtuosismo da escrita para o solista, o concerto em Dó maior RV443 faz parte de um conjunto de três concertos escritos para flautino [o equivalente moderno à flauta de bisel sopranino] em data por determinar.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Nascido em Veneza, a 4 de Março de 1678, Antonio foi o segundo dos nove filhos de Camilla Calicchio e Giovanni Battista Vivaldi (c.1655-1736), importante violinista e membro fundador da Sovvegno dei musicisti di Santa Cecilia, a irmandade dos músicos venezianos.
Tendo estudado com seu pai e com Giovanni Legrenzi (1626-1690), Vivaldi seria ordenado padre em 1703, daí lhe advindo a alcunha de il Prete Rosso [o padre ruivo]. Dispensado das suas funções litúrgicas por questões de saúde, Vivaldi teve uma carreira fulgurante, quer como violinista virtuoso quer como compositor.
Uma parte substancial da sua produção de música sacra foi escrita para o afamado coro e orquestra femininos do Ospedale della Pietà, instituição veneziana com a qual manteve sucessivos vínculos, maestro di violino (1703-09 / 1711-15), maestro dei figlie di coro (1711-15) e maestro de’concerti (1716-17 / 1723-29 / 1735-40).
Composto c.1715, o salmo Laetatus sum RV 607 corresponde ao texto do salmo 121 [122 na Bíblia moderna], Alegrei-me quando me disseram, vamos à casa do Senhor, o 3º salmo do Ofício das Vésperas, circunstância para a qual terá sido escrito. Paradigmático do estilo conciso vivaldiano, o texto é declamado de forma silábica pelo coro, sobre um motivo ostinato nas cordas que trespassa toda a obra.
O mesmo não se poderá dizer do Gloria RV 589, uma das obras corais mais famosas da actualidade, desde a sua 1ª audição moderna, em 1939, em Siena, Itália. Composto c.1715, igualmente para o coro e orquestra femininos do Ospedale della Pietà, constitui-se como pedra angular do refinamento musical do Vivaldi.
O hino eucarístico, ou Doxologia Maior, como é igualmente conhecido, surge divido em 12 andamentos, segundo o cânone da missa concertata, com intervenções corais e árias para vozes solista, naquilo que constitui um dos traços mais fascinantes da música sacra do séc.XVIII, a interpenetração do sacro e do profano. De notar que a fuga final, Cum Sancto Spiritu é uma adaptação de Vivaldi do andamento correspondente do Gloria per due chori (1708) do compositor Giovanni Maria Ruggieri (fl.1665-c.1725). Vivaldi notabilizou-se, ainda, pela sua música instrumental, à época, conhecida e cultivada em toda a Europa. Tendo composto dezenas de concertos, a sua estrutura base radica no princípio do ritornello, um tema tocado pelo tutti instrumental, intercalado pelas passagens do instrumento solista [num padrão que se pode sintetizar da seguinte forma tutti-solo-tutti-solo-tutti]. Divididos em três andamentos, os concertos de Vivaldi primam pelo seu contraste de ambientes, em que o virtuosismo técnico dos andamentos balizantes dá lugar a um forte lirismo do andamento intermédio.
Verdadeiro tour-de-force, dado o inusitado virtuosismo da escrita para o solista, o concerto em Dó maior RV443 faz parte de um conjunto de três concertos escritos para flautino [o equivalente moderno à flauta de bisel sopranino] em data por determinar.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Programa do Concerto
Laetatus sum, RV 607
António Vivaldi, 1678 - 1741
Concerto em dó maior para flauta, RV443
António Vivaldi, 1678 - 1741
I. Allegro |
II. Largo |
III. Allegro Molto |
Gloria, RV 589
António Vivaldi, 1678 - 1741
I. Gloria in excelsis Deo |
II. Et in terra pax |
III. Laudamus te |
IV. Gratias agimus tibi |
V. Propter magnam gloria |
VI. Domine Deus |
VII. Domine, Fili unigenite |
VIII. Domine Deus, Agnus Dei |
IX. Qui tollis peccata mundi |
X. Qui sedes ad dexteram Patris |
XI. Quoniam tu sous sanctus |
XII. Cum Sancto Spiritu |
Músicos
Mónica Monteiro, Soprano
Maria Valdmaa, Soprano
Åsa Olsson, Mezzosprano
Elsbeth Gerritsen, Mezzosoprano
William Knight, Tenor João Moreira, Tenor
Matthew Baker, Baixo
Kees Jan de Konning, Baixo
Maria Valdmaa, Soprano
Åsa Olsson, Mezzosprano
Elsbeth Gerritsen, Mezzosoprano
William Knight, Tenor João Moreira, Tenor
Matthew Baker, Baixo
Kees Jan de Konning, Baixo
Dima Smirnoff, Violino & Direção
Raquel Cravino, Violino
Maite Larburu, Viola
Diana Vinagre, Violoncelo
Marta Vicente, Contrabaixo
Benny Aghassi, Fagote & Flauta
Luís Marques, Oboé
Bruno Fernandes, Trompete
Miguel Jalôto, Cravo
Sérgio Silva, Órgão
Raquel Cravino, Violino
Maite Larburu, Viola
Diana Vinagre, Violoncelo
Marta Vicente, Contrabaixo
Benny Aghassi, Fagote & Flauta
Luís Marques, Oboé
Bruno Fernandes, Trompete
Miguel Jalôto, Cravo
Sérgio Silva, Órgão
Recital
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
17h00, Igreja de São Francisco
22 Agosto - Quinta-feira
Música Italiana para tecla
Programa do Concerto
António Vivaldi, 1678 - 1741
Intonazione del sesto tono |
Giovanni Maria Trabaci c.1575-1647
Consonanze stravaganti |
Girolamo Frescobaldi 1583-1643
Toccata avanti la Messa delli Apostoli |
Canzona dopo l’epistola (Messa della Apostoli) |
Toccata per l’elevatione (Messa delli Apostoli) |
Bergamasca |
Michelangelo Rossi 1601/2-1656
Toccata settima |
Bernardo Storace c.1637-c.1707
Ballo della Bataglia |
Anónimo Itália, Século XVIII
Aria con variationi |
Bernardo Pasquini 1637-1710
Pastorale per organo |
Partite sopra l’aria della folia da Spagna |
Domenico Zipoli 1688-1726
Canzona em Ré menor |
Versos em Ré menor |
Baldassare Galuppi 1706-1785
Aria II |
Aria XXII |
Giovanni Morandi 1777-1856
Rondo’ con imitazione dei campanelli |
Músico
Sérgio Silva, Órgão
Concerto
"Memento mori: meditações sobre a morte"
"Memento mori: meditações sobre a morte"
00h00, Igreja de São Vicente
22 Agosto - Quinta-feira
A Morte foi sendo encarada pelas várias culturas e civilizações de formas muito contrastantes: sempre temida, mas por vezes também desejada. Repelida, apesar de inevitável; uma presença constante, quase acarinhada, uma segurança até, sobretudo quando a fé ilumina o incógnito infinito que se estende para lá dessa temerosa fronteira.
O século XVII foi um período conturbado com lutas constantes, como a horrível Guerra dos Trinta Anos, a incessante ameaça turca às portas de Viena, a Guerra Civil Inglesa, a Guerra da Sucessão de Espanha, ou a revolta pela independência de Portugal. A esta instabilidade política há a acrescentar a doença e a peste, como a que dizimou o Norte de Itália logo no início do século, mas também fomes constantes, resultantes dos maus anos agrícolas e da pequena idade do gelo que arrefeceu todo o planeta. Mas este é também um século brilhante: a Espanha assiste ao longo declinar do seu Siglo de Oro, a Inglaterra e a Holanda triunfam nos oceanos, a França de Louis XIV impõe o esplendor do seu Grand Siècle por toda a Europa, o Catolicismo regressa triunfante ao centro do continente, recuperando pouco a pouco a sua influência face aos protestantes, enquanto que Roma se renova com praças, palácios e igrejas.
Contudo, a morte está lá, sempre presente, da choupana do pobre ao palácio do rei, frequentemente travestida pela magnificência barroca, pelos veludos negros dos catafalcos, pelos castrum doloris nas igrejas, os ricos monumentos fúnebres, ornados de caveiras e anjos carpindo lágrimas de mármore. É omnipresente nas naturezas-mortas, nas vias-sacras, nas devoções exacerbadas à paixão de Cristo e às dores da Virgem Maria, nas capelas forradas a ossadas, no culto das relíquias, nas missas de Requiem, nos ofícios de defuntos e de trevas, nas elegias inflamadas ou em concisos epitáfios. Mas está também presente nos sons argênteos e cristalinos de um cravo ou de um alaúde, chorando um amigo, um professor, um colega ou um mecenas mortos, mas jamais esquecidos, assim perpetuados eternamente através da música...
Em Paris, numa noite chuvosa de Novembro de 1652, após uma refeição entre amigos, o alaudista Charles de Fleury, senhor de Blancrocher, tropeça, escorrega por uma escadaria de mármore, e morre antes de receber os últimos sacramentos, nos braços de um visitante alemão, Froberger. Este, organista da Capela Imperial de Viena, havia estudado em Itália com Frescobaldi, o organista de S. Pedro do Vaticano, e era um dos músicos mais famosos do seu tempo. De temperamento frágil e extremamente sensível, profundamente perturbado pela tragédia, escreve um "Tombeaux" em homenagem de Fleury, sendo imediatamente seguido pelo grande cravista francês, seu pupilo e amigo, Louis Couperin. "Tombeaux" (túmulo, em francês) era o nome dado a uma peça composta em memória de uma personalidade falecida, e que corresponde à forma poética da elegia. Foi a partir das obras dos alaúdistas e cravistas franceses contemporâneos, como Couperin, que Froberger sistematizou a suite para tecla e sobretudo soube criar um idioma cravístico próprio, independente do órgão. A sua linguagem harmónica é extremamente audaz e, aliada a um criativo e inovador uso da retórica musical, sublinham eloquentemente a profundidade expressiva de cada obra. Froberger é pois uma figura inultrapassável e poderosamente influente. Louis Couperin, mais jovem mas igualmente genial compositor, ao serviço da corte francesa como cravista e gambista absorve, através da imitação - considerada então não como simples plágio, mas antes como reverente homenagem - as inovações de Froberger. Combina-as com a já rica tradição cravística francesa, inaugurada pelo seu professor Chambonnières, e orienta-a para o apogeu que esta atingirá, alguns anos mais tarde, com as obras do seu sobrinho, François Couperin, le Grand, e Rameau.
Desconhece-se a data exacta em que Froberger visitou Londres, mas terá provavelmente sido ainda em 1652, quando ainda decorria a terrível Guerra Civil Inglesa, e imediatamente antes da implantação da Commonwealth republicana de Cromwell. Esta visita é descrita no manuscrito musical que nos transmite o peculiar Plainte faite à Londres pour passer la mélancholie: "Mestre Froberger, desejando trocar Paris por Londres foi de tal forma roubado durante o seu trajecto por mar entre Paris, Calais e Dover, que [aqui] chegou a um albergue de pescadores sem uma única moeda, e daqui alcançou Londres. Aí, como desejava ser admitido na sociedade e ouvir música, teve a ideia de se empregar como foleiro de órgão, o que cumpriu. Mas um dia, afectado pelo seu humor melancólico, esqueceu-se de accionar os foles e foi posto na rua a pontapé pelo organista. Foi nesta ocasião que compôs esta Lamentação." Froberger viajou por toda a Europa em serviço 'diplomático' - talvez até como espião - e é provável que nem sempre pudesse revelar a sua identidade para receber protecção condigna. O temperamento melancólico, mesmo depressivo, do compositor é testemunhado pelos seus vários lamentos escritos aquando do falecimento dos seus principais patronos: primeiro, o príncipe herdeiro imperial Fernando IV, rei dos Romanos, falecido na juventude; depois, o seu pai, o Imperador Fernando III; e, finalmente, os duques de Württemberg-Montbéliard, no palácio dos quais Froberger virá a falecer. Mas não sem antes ter composto uma das mais intensas e íntimas obras de todo o Barroco: uma meditação feita sobre a sua própria morte. O seu amigo Mathias Weckmann, importante organista de Hamburgo, haveria de conservá-la num manuscrito com a saudosa anotação: "Memento mori Froberger.
Nota de programa — Fernando Miguel Jalôto
O século XVII foi um período conturbado com lutas constantes, como a horrível Guerra dos Trinta Anos, a incessante ameaça turca às portas de Viena, a Guerra Civil Inglesa, a Guerra da Sucessão de Espanha, ou a revolta pela independência de Portugal. A esta instabilidade política há a acrescentar a doença e a peste, como a que dizimou o Norte de Itália logo no início do século, mas também fomes constantes, resultantes dos maus anos agrícolas e da pequena idade do gelo que arrefeceu todo o planeta. Mas este é também um século brilhante: a Espanha assiste ao longo declinar do seu Siglo de Oro, a Inglaterra e a Holanda triunfam nos oceanos, a França de Louis XIV impõe o esplendor do seu Grand Siècle por toda a Europa, o Catolicismo regressa triunfante ao centro do continente, recuperando pouco a pouco a sua influência face aos protestantes, enquanto que Roma se renova com praças, palácios e igrejas.
Contudo, a morte está lá, sempre presente, da choupana do pobre ao palácio do rei, frequentemente travestida pela magnificência barroca, pelos veludos negros dos catafalcos, pelos castrum doloris nas igrejas, os ricos monumentos fúnebres, ornados de caveiras e anjos carpindo lágrimas de mármore. É omnipresente nas naturezas-mortas, nas vias-sacras, nas devoções exacerbadas à paixão de Cristo e às dores da Virgem Maria, nas capelas forradas a ossadas, no culto das relíquias, nas missas de Requiem, nos ofícios de defuntos e de trevas, nas elegias inflamadas ou em concisos epitáfios. Mas está também presente nos sons argênteos e cristalinos de um cravo ou de um alaúde, chorando um amigo, um professor, um colega ou um mecenas mortos, mas jamais esquecidos, assim perpetuados eternamente através da música...
Em Paris, numa noite chuvosa de Novembro de 1652, após uma refeição entre amigos, o alaudista Charles de Fleury, senhor de Blancrocher, tropeça, escorrega por uma escadaria de mármore, e morre antes de receber os últimos sacramentos, nos braços de um visitante alemão, Froberger. Este, organista da Capela Imperial de Viena, havia estudado em Itália com Frescobaldi, o organista de S. Pedro do Vaticano, e era um dos músicos mais famosos do seu tempo. De temperamento frágil e extremamente sensível, profundamente perturbado pela tragédia, escreve um "Tombeaux" em homenagem de Fleury, sendo imediatamente seguido pelo grande cravista francês, seu pupilo e amigo, Louis Couperin. "Tombeaux" (túmulo, em francês) era o nome dado a uma peça composta em memória de uma personalidade falecida, e que corresponde à forma poética da elegia. Foi a partir das obras dos alaúdistas e cravistas franceses contemporâneos, como Couperin, que Froberger sistematizou a suite para tecla e sobretudo soube criar um idioma cravístico próprio, independente do órgão. A sua linguagem harmónica é extremamente audaz e, aliada a um criativo e inovador uso da retórica musical, sublinham eloquentemente a profundidade expressiva de cada obra. Froberger é pois uma figura inultrapassável e poderosamente influente. Louis Couperin, mais jovem mas igualmente genial compositor, ao serviço da corte francesa como cravista e gambista absorve, através da imitação - considerada então não como simples plágio, mas antes como reverente homenagem - as inovações de Froberger. Combina-as com a já rica tradição cravística francesa, inaugurada pelo seu professor Chambonnières, e orienta-a para o apogeu que esta atingirá, alguns anos mais tarde, com as obras do seu sobrinho, François Couperin, le Grand, e Rameau.
Desconhece-se a data exacta em que Froberger visitou Londres, mas terá provavelmente sido ainda em 1652, quando ainda decorria a terrível Guerra Civil Inglesa, e imediatamente antes da implantação da Commonwealth republicana de Cromwell. Esta visita é descrita no manuscrito musical que nos transmite o peculiar Plainte faite à Londres pour passer la mélancholie: "Mestre Froberger, desejando trocar Paris por Londres foi de tal forma roubado durante o seu trajecto por mar entre Paris, Calais e Dover, que [aqui] chegou a um albergue de pescadores sem uma única moeda, e daqui alcançou Londres. Aí, como desejava ser admitido na sociedade e ouvir música, teve a ideia de se empregar como foleiro de órgão, o que cumpriu. Mas um dia, afectado pelo seu humor melancólico, esqueceu-se de accionar os foles e foi posto na rua a pontapé pelo organista. Foi nesta ocasião que compôs esta Lamentação." Froberger viajou por toda a Europa em serviço 'diplomático' - talvez até como espião - e é provável que nem sempre pudesse revelar a sua identidade para receber protecção condigna. O temperamento melancólico, mesmo depressivo, do compositor é testemunhado pelos seus vários lamentos escritos aquando do falecimento dos seus principais patronos: primeiro, o príncipe herdeiro imperial Fernando IV, rei dos Romanos, falecido na juventude; depois, o seu pai, o Imperador Fernando III; e, finalmente, os duques de Württemberg-Montbéliard, no palácio dos quais Froberger virá a falecer. Mas não sem antes ter composto uma das mais intensas e íntimas obras de todo o Barroco: uma meditação feita sobre a sua própria morte. O seu amigo Mathias Weckmann, importante organista de Hamburgo, haveria de conservá-la num manuscrito com a saudosa anotação: "Memento mori Froberger.
Nota de programa — Fernando Miguel Jalôto
Programa do Concerto
Johann Jakob Froberger 1616-1667
Tombeau fait à Paris sur la mort de Monsieur Blancheroche, lequel se joue fort lentement à la discrétion sans observer aucune mesure FbWV 632 (Manuscrito Minoriten Mus.MS XIV 743 - Viena) |
Louis Couperin 1626-1661
Tombeaux de Mr de Blancrocher (Manuscrito Bauyn - Bibliothèque Nationale de France, Rés. Vm7 674–675 - Paris) |
Johann Jakob Froberger 1616 - 1667
Suite FbWV 612 [Allemande:] Lamento sopra la dolorosa perdita della Real Maestà di Ferdinando IV Rè de Romani - Courante - Gigue - Sarabande (Libro quarto di Toccate, Ricercari, Capricci, Allemande, Gigue, Courante, Sarabande, composto et humilissimamente dedicato alla sacra cesarea maesta di Ferdinando Terzo [...] - Viena, 1656) |
Johann Jakob Froberger 1616 - 1667
Lamentation faite sur la mort très douloureuse de Sa Majesté Impériale, Ferdinand III, An[no] 1657, FbWV 633 (Manuscrito Minoriten Mus.MS XIV 743 - Viena) |
Louis Couperin 1626-1661
Prélude à l'imitation de Mr Froberger - Allemande L'Amiable - Courante La Mignone & 2ème Courante - Sarabande - La Piémontoise -Gavotte de Mr Hardel & Double de la Gavotte par Mr Couperin (Manuscrito Bauyn - Bibliothèque Nationale de France, Rés. Vm7 674–675 - Paris) |
Johann Jakob Froberger 1616 - 1667
Suite FbWV 630 [Allemande:] Plainte faite à Londres pour passer la Mélancolie - Gigue - Courante - Sarabande (Manuscrito 'Minoriten Mus.MS XIV 743 - Viena) |
Louis Couperin 1626-1661
Pavanne (Manuscrito Bauyn - Bibliothèque Nationale de France, Rés. Vm7 674–675 - Paris) |
Johann Jakob Froberger 1616 - 1667
Méditation faict sur ma Mort future / Memento mori Froberger la quelle se joüe lentement avec discretion, [â Paris le 1 Maÿ Anno 1660] / FbWV 611a (Manuscrito Hintze: New Haven, CT, Yale University, Beinecke Rare Book and Manuscript Library US-NHub Ms. Ma.21.H.59) |
Músicos
Fernando Miguel Jalôto, Cravo
Recital
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
"Os 3 grandes Órgãos Históricos de Évora"
17h00, Igreja do Espírito Santo
23 Agosto - Sexta-feira
"Do século XVII ao século XIX: música alemã e francesa"
Programa do Concerto
Nicolaus Bruhns 1665 - 1697
Préludio e fuga em Mi menor |
Johann Sebastian Bach 1685 - 1750
Toccata e fuga em Fá Maior BWV540 |
Louis Vierne 1870 - 1937
Symphonie n.3:
III. Intermezzo |
IV. Adagio |
V. Final |
Músico
Alice Rocha, Órgão
Concerto
"O Renascimento Vocal a 8 vozes"
"O Renascimento Vocal a 8 vozes"
23 Agosto - Sexta-feira
O concerto de hoje reúne um conjunto de obras exemplares do estilo musical decorrente do Concílio de Trento (1545-1563), a resposta da Igreja Católica à Reforma Protestante (1517).
Em confronto directo com a sobriedade e iconoclastia protestante, a arte católica contra-reformista assumiu-se como elemento estruturante da própria sociedade, desenvolvendo uma linguagem de combate, de testemunho e de catequese. Por oposição ao racionalismo, preconizava-se uma arte emotiva, sensorial, segundo o conceito da animos impellere [sedução das almas].
Apesar da distância cronológica que separa estes quatro compositores, ambos partilham este espírito pós-tridentino, procurando retratar, musicalmente, o pathos contido em cada um dos textos sacros e, assim, comover os ouvintes.
Natural de Cuba, Alentejo, Diogo Dias Melgás (1638-1700) foi admitido na Claustra da Sé de Évora, em 1647, onde estudou com Bento Nunes Pegado e António Rodrigues Vilalva. Nomeado reitor em 1662, Melgás tornou-se Mestre da Claustra em 1664 e ascendeu ao lugar de Mestre de Capela em 1680, cargo que ocupou durante dezanove anos, tendo morrido em Évora, em 1700.
Nascido Esteban Lopes Morago, natural de Vallecas, outrora uma pequena vila às portas de Madrid, não se sabe, ao certo, como foi estudar na Claustra de Évora, no Colégio dos Moços de Coro, sob orientação de Filipe de Magalhães (c.1571-1652), entre 1592 e 3 de Março de 1596, quando obteve o grau de bacharel. A 15 de Agosto de 1599, Morago passou ao serviço da Sé de Viseu, como Mestre de Capela. Viria a morrer no Convento de São Francisco de Orgens em 1630.
Compositor fundamental do Renascimento tardio da segunda metade do séc.XVI, Orlando di Lasso nasceu em Mons, actual Bélgica. Tendo entrado ao serviço de Ferrante I Gonzaga (1507-1557), Príncipe de Molfetta, Lasso teve uma carreira fulgurante, alcançando, em 1553, com apenas 21 anos, o prestigiadíssimo cargo de Maestro di Cappella da Basílica de São João de Laterão, em Roma, sob influência do cardeal Ercole Gonzaga (1505-1563), irmão do seu protector. Contudo, abandonou o cargo em 1554, vindo a ser substituído por Palestrina. Em 1556, entrou ao serviço de Albert V, o Magnânimo (1528-1579), Duque da Baviera, sendo nomeado Kappellmeister da Corte de Munique em 1563, cargo que manteve até à sua morte.
Carlo Gesualdo (1566-1613), Príncipe de Venosa, nasceu no seio de uma das famílias mais ricas da península itálica. Educado em Roma na companhia de seu tio materno, o cardeal-arcebispo de Milão São Carlos Borromeu (1538-1584), paladino do movimento contra-reformista, e do seu tio paterno, o cardeal-arcebispo de Nápoles Alfonso Gesualdo (1540-1603), Deão do Sagrado Colégio dos Cardeais, Gesualdo viria a tornar-se num dos compositores mais extraordinários de todos os tempos.
Apesar de ter composto, essencialmente, para um ciclo restrito de ouvintes, uma elite altamente ilustrada, Gesualdo desenvolveu uma linguagem cromática inaudita até então, baseando-se no canto affettuoso, ao serviço das emoções das palavras.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Em confronto directo com a sobriedade e iconoclastia protestante, a arte católica contra-reformista assumiu-se como elemento estruturante da própria sociedade, desenvolvendo uma linguagem de combate, de testemunho e de catequese. Por oposição ao racionalismo, preconizava-se uma arte emotiva, sensorial, segundo o conceito da animos impellere [sedução das almas].
Apesar da distância cronológica que separa estes quatro compositores, ambos partilham este espírito pós-tridentino, procurando retratar, musicalmente, o pathos contido em cada um dos textos sacros e, assim, comover os ouvintes.
Natural de Cuba, Alentejo, Diogo Dias Melgás (1638-1700) foi admitido na Claustra da Sé de Évora, em 1647, onde estudou com Bento Nunes Pegado e António Rodrigues Vilalva. Nomeado reitor em 1662, Melgás tornou-se Mestre da Claustra em 1664 e ascendeu ao lugar de Mestre de Capela em 1680, cargo que ocupou durante dezanove anos, tendo morrido em Évora, em 1700.
Nascido Esteban Lopes Morago, natural de Vallecas, outrora uma pequena vila às portas de Madrid, não se sabe, ao certo, como foi estudar na Claustra de Évora, no Colégio dos Moços de Coro, sob orientação de Filipe de Magalhães (c.1571-1652), entre 1592 e 3 de Março de 1596, quando obteve o grau de bacharel. A 15 de Agosto de 1599, Morago passou ao serviço da Sé de Viseu, como Mestre de Capela. Viria a morrer no Convento de São Francisco de Orgens em 1630.
Compositor fundamental do Renascimento tardio da segunda metade do séc.XVI, Orlando di Lasso nasceu em Mons, actual Bélgica. Tendo entrado ao serviço de Ferrante I Gonzaga (1507-1557), Príncipe de Molfetta, Lasso teve uma carreira fulgurante, alcançando, em 1553, com apenas 21 anos, o prestigiadíssimo cargo de Maestro di Cappella da Basílica de São João de Laterão, em Roma, sob influência do cardeal Ercole Gonzaga (1505-1563), irmão do seu protector. Contudo, abandonou o cargo em 1554, vindo a ser substituído por Palestrina. Em 1556, entrou ao serviço de Albert V, o Magnânimo (1528-1579), Duque da Baviera, sendo nomeado Kappellmeister da Corte de Munique em 1563, cargo que manteve até à sua morte.
Carlo Gesualdo (1566-1613), Príncipe de Venosa, nasceu no seio de uma das famílias mais ricas da península itálica. Educado em Roma na companhia de seu tio materno, o cardeal-arcebispo de Milão São Carlos Borromeu (1538-1584), paladino do movimento contra-reformista, e do seu tio paterno, o cardeal-arcebispo de Nápoles Alfonso Gesualdo (1540-1603), Deão do Sagrado Colégio dos Cardeais, Gesualdo viria a tornar-se num dos compositores mais extraordinários de todos os tempos.
Apesar de ter composto, essencialmente, para um ciclo restrito de ouvintes, uma elite altamente ilustrada, Gesualdo desenvolveu uma linguagem cromática inaudita até então, baseando-se no canto affettuoso, ao serviço das emoções das palavras.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Programa do Concerto
Popule meus
Diogo Dias Melgás 1638 - 1700
De profundis
Versa est in luctum
Oculi mei semper ad Dominum
Estêvão Lopes Morago 1575 - 1630
Timor et tremor
Alma redemptoris mater
Regina caeli
Orlando di Lasso 1532 - 1594
Miserere
O vos, omnes
Ave dulcissima Maria
Peccantem Me Quotidie
O Crux benedicta
Carlo Gesualdo 1566 - 1613
Músicos
Mónica Monteiro & Maria Valdmaa, Sopranos
Elsbeth Gerritsen & Åsa Olsson, Mezzosopranos
William Knight & João Moreira, Tenores
Matthew Baker & Kees Jan de Koning, Baixos
Elsbeth Gerritsen & Åsa Olsson, Mezzosopranos
William Knight & João Moreira, Tenores
Matthew Baker & Kees Jan de Koning, Baixos
Recital
“Música como terapia”
“Música como terapia”
11h00, Restaurante Salsa Verde
24 Agosto - Sábado
“A importância da música como terapia.”
Co-organização — Café Memória e FIMÉ
Apoio — Delta Cafés.
Apoio — Delta Cafés.
Programa do Concerto
Georg Philipp Teleman 1681 - 1767
Sonata em Dó Maior para Essercizii music, TWV 41: C5 Adagio - Allegro - Adagio - Allegro - Larghetto - Vivace |
François Couperin 1668-1733
Les Sylvains, rondeau: majestueusement, sans lenteur (1ère Ordre - Premier Livre de Pièces de Clavecin, Paris, 1713) |
Georg Frideric Händel 1685 - 1759
Sonata in F major, HWV369 Larghetto; Allegro; Siciliana; Allegro |
François Couperin 1668-1733
Extraits de la 6ème Ordre Les Barricades Mystérieuses, rondeau: vivement (Second Livre de Pièces de Clavecin, Paris, 1716/17) |
Arcangelo Corelli 1653 - 1713
La Folia Sonata in G minor, Op. 5 no. 12 |
Músicos
Benny Aghassi, Flauta de bisel
Fernando Miguel Jalôto, Cravo
Fernando Miguel Jalôto, Cravo
Concerto
"As Quatro Estações"
"As Quatro Estações"
19h00, Igreja da Misericórdia
24 Agosto - Sábado
Durante as primeiras décadas do séc.XVIII, em que o panorama musical europeu era dominado por músicos italianos, Antonio Vivaldi (1678-1741) foi o compositor do momento, e a sua música instrumental conhecida e cultivada em toda a Europa, assumindo-se como quintessência do género.
Na origem deste epifenómeno esteve a publicação, em 1711, de 12 concertos intitulados L’estro armonico [A inspiração harmónica], por muitos considerada a mais importante e influente colecção de música instrumental do séc.XVIII. A título de curiosidade, Johann Sebastian Bach (1685-1750) transcreveu 5 destes concertos para órgão entre 1713-14.
A publicação, em 1716, de uma segunda colectânea de 12 concertos, La stravaganza [A extravagância], seguida de Il cimento dell’armonia e dell’inventione [O concurso entre a harmonia e a invenção], em 1725, viriam a cimentar a fama de Vivaldi como paladino da música instrumental barroca italiana.
Dedicada ao conde boémio Wenzel von Morzin (1676-1737), do qual era Maestro di musica in Italia (compositor e responsável por fazer chegar à corte partituras de outros compositores italianos), Il cimento dell’armonia passaria à História pelos seus quatro primeiros concertos, conhecidos genericamente como As Quatro Estações.
A temática está longe de ser uma novidade, muito pelo contrário, era de alto apreço das elites culturais europeias. Desde o proto-Renascimento (séc.XIV) que as quatro estações do ano eram pretexto para reflectir no mundo natural, em temáticas cristãs e pagãs da Antiguidade Clássica, bem como uma metáfora das 4 fases da vida, Infância, Juventude, Maturidade e Velhice.
Contudo, Vivaldi teve o cuidado de fazer publicar estes concertos acompanhados de quatro sonetos, de autoria anónima (muito provavelmente de Vivaldi) remetendo certos versos para passagens específicas dos concertos. Ainda que da maior relevância, não é possível aferir se estes poemas foram escritos antes (o que daria uma dimensão programática inaudita para a época) ou se, como tudo indica, foram acrescentados posteriormente, para a sua edição.
Do ponto de vista formal, os concertos seguem a estrutura base radicada no princípio do ritornello, um tema tocado pelo tutti instrumental, intercalado pelas passagens do instrumento solista [num padrão que se pode sintetizar da seguinte forma tutti-solo-tutti-solo-tutti]. Divididos em três andamentos, primam pelo contraste de ambientes, em que o virtuosismo técnico dos andamentos balizantes dá lugar a um forte lirismo do andamento intermédio.
Mas, se atendermos ao conteúdo dos poemas, cada concerto é uma vasta tela pictórica, onde a harmonia da Natureza ganha forma, o chilrear dos pássaros, os trovões das tempestades, o latido dos cães que apascentam as ovelhas, o vento, o restolhar das árvores, os camponeses dançando, uma caçada ou o vento gélido que nos faz tiritar os dentes.
Por último, o corpus musical de Vivaldi para fagote obbligato é o maior e, certamente, o mais importante de todo o período Barroco, somando 39 concertos (RV 466-504). Tudo indica que o concerto RV 500 terá sido composto em Praga, c.1730-31, para um dos mecenas de Vivaldi durante esse período, o conde Jan Josef z Vrtba (1669-1734).
Nota de programa — José Bruto da Costa
Na origem deste epifenómeno esteve a publicação, em 1711, de 12 concertos intitulados L’estro armonico [A inspiração harmónica], por muitos considerada a mais importante e influente colecção de música instrumental do séc.XVIII. A título de curiosidade, Johann Sebastian Bach (1685-1750) transcreveu 5 destes concertos para órgão entre 1713-14.
A publicação, em 1716, de uma segunda colectânea de 12 concertos, La stravaganza [A extravagância], seguida de Il cimento dell’armonia e dell’inventione [O concurso entre a harmonia e a invenção], em 1725, viriam a cimentar a fama de Vivaldi como paladino da música instrumental barroca italiana.
Dedicada ao conde boémio Wenzel von Morzin (1676-1737), do qual era Maestro di musica in Italia (compositor e responsável por fazer chegar à corte partituras de outros compositores italianos), Il cimento dell’armonia passaria à História pelos seus quatro primeiros concertos, conhecidos genericamente como As Quatro Estações.
A temática está longe de ser uma novidade, muito pelo contrário, era de alto apreço das elites culturais europeias. Desde o proto-Renascimento (séc.XIV) que as quatro estações do ano eram pretexto para reflectir no mundo natural, em temáticas cristãs e pagãs da Antiguidade Clássica, bem como uma metáfora das 4 fases da vida, Infância, Juventude, Maturidade e Velhice.
Contudo, Vivaldi teve o cuidado de fazer publicar estes concertos acompanhados de quatro sonetos, de autoria anónima (muito provavelmente de Vivaldi) remetendo certos versos para passagens específicas dos concertos. Ainda que da maior relevância, não é possível aferir se estes poemas foram escritos antes (o que daria uma dimensão programática inaudita para a época) ou se, como tudo indica, foram acrescentados posteriormente, para a sua edição.
Do ponto de vista formal, os concertos seguem a estrutura base radicada no princípio do ritornello, um tema tocado pelo tutti instrumental, intercalado pelas passagens do instrumento solista [num padrão que se pode sintetizar da seguinte forma tutti-solo-tutti-solo-tutti]. Divididos em três andamentos, primam pelo contraste de ambientes, em que o virtuosismo técnico dos andamentos balizantes dá lugar a um forte lirismo do andamento intermédio.
Mas, se atendermos ao conteúdo dos poemas, cada concerto é uma vasta tela pictórica, onde a harmonia da Natureza ganha forma, o chilrear dos pássaros, os trovões das tempestades, o latido dos cães que apascentam as ovelhas, o vento, o restolhar das árvores, os camponeses dançando, uma caçada ou o vento gélido que nos faz tiritar os dentes.
Por último, o corpus musical de Vivaldi para fagote obbligato é o maior e, certamente, o mais importante de todo o período Barroco, somando 39 concertos (RV 466-504). Tudo indica que o concerto RV 500 terá sido composto em Praga, c.1730-31, para um dos mecenas de Vivaldi durante esse período, o conde Jan Josef z Vrtba (1669-1734).
Nota de programa — José Bruto da Costa
Programa do Concerto
Concerto para fagote, cordas e baixo continuo em Lá menor, RV 500
António Vivaldi, 1678 - 1741
I. Allegro |
II. Largo |
III. Allegro |
As 4 Estações Op. 8 Nº 1 | RV 269
António Vivaldi, 1678 - 1741
Concerto Nº 1 em Mi “A Primavera” (Op. 8 Nº 1 | RV 269)
I. Allegro |
II. Largo e pianissimo |
III. Allegro |
Concerto Nº 2 em Sol menor “O Verão” (Op. 8 Nº 2 | RV 315)
I. Allegro mà non molto |
II. Adagio |
III. Presto |
Concerto Nº 3 em Fá “O Outono” (Op. 8 Nº 3 | RV 293)
I. Allegro |
II. Adagio molto |
III. Allegro |
Concerto Nº 4 em Fá menor “O Inverno” (Op. 8 Nº 4 | RV 297)
I. Allegro non molto |
II. Largo |
III. Allegro |
Músicos
Dima Smirnoff, Violino solo e Direção
Maite Larburu, Violino
Raquel Cravino, Violino
César Nogueira, Viola
Maite Larburu, Violino
Raquel Cravino, Violino
César Nogueira, Viola
Diana Vinagre, Violoncelo
Marta Vicente, Contrabaixo
Benny Aghassi, Fagote e Flauta
Fernando Miguel Jalôto, Cravo
Marta Vicente, Contrabaixo
Benny Aghassi, Fagote e Flauta
Fernando Miguel Jalôto, Cravo
Concerto
"Bach no festival"
"Bach no festival"
25 Agosto - Domingo
Desde 1708 que Johann Sebastian Bach era organista da Corte de Weimar, ao serviço do duque Wilhelm Ernst (1662-1728), quando, a 2 de Março 1714, foi nomeado Konzertmeister.
Esta nova posição no aparato áulico implicava a composição de uma cantata por mês. De acordo com o Ofício luterano, a cantata desempenhava uma função litúrgica específica: ser interpretada entre a leitura do Evangelho e o Sermão, tendo como ponto de partida o evangelho do dia, e obedecendo às convenções esquemáticas da arquitetura musical luterana: um coro inicial, uma sucessão de recitativos-arias musicalmente contrastantes e um coral conclusivo.
Foi neste contexto profissional que Bach compôs as cantatas Mein Gott, wie lang e Himmelskönig, sei willkommen, ambas estreadas na capela do palácio ducal, Wilhelmsburg, respetivamente a 19 de Janeiro de 1716, 2º domingo depois da Epifania, e a 25 de Março de 1714, duplamente Domingo de Ramos e Festa da Anunciação.
O libreto da cantata BWV155 é de Salomon Franck (1659-1725), e reflete o Milagre das Bodas de Caná, do Evangelho de São João (2:1-11). Assim como Cristo transformou água em vinho, também o crente deve transformar as suas dúvidas em confiança.
O recitativo inicial representa uma alma desolada, sobre uma linha do contínuo tensa e interjeições dissonantes das cordas. O “vinho da alegria ausente” [Der Freude Wein gebricht] é ironicamente colorido por um melisma ascendente. No segundo andamento, o solo virtuoso do fagote obbligato assume o papel da alma perturbada, com o contralto e o tenor, comentando o drama, oferecendo palavras encorajadoras. O recitativo seguinte corresponde à vox Christi [a voz de Cristo], tradicionalmente entregue a um baixo. Será Jesus o vinho de conforto, a luz para as horas sombrias do nosso coração. A ária que lhe sobrevém é trespassada por uma profunda alegria, metáfora musical da confiança da alma do crente em Deus. O coral final corresponde à última estrofe do coral Es ist das Heil de Paul Speratus (1484-1551).
Refletindo a Entrada de Jesus em Jerusalém, do Evangelho de São Mateus (21:1-9), o libreto da cantata Himmelskönig, sei willkommen é atribuído a Salomon Franck, o autor dos libretos da grande maioria das cantatas de Bach do período de Weimar. Cristo não é apenas o Rei dos Céus e da Glória, é, igualmente, o Cordeiro imolado, o Salvador do Mundo.
Da turba bíblica ao crente individual, Bach vai dispensando o efectivo musical, do tutti da sonata e coro inicial à solidão da ária para tenor e contínuo.
De particular interesse são os dois últimos andamentos. O coral, última estrofe do hino Jesu Leiden, Pein und Tod de Paulus Stockmann (1603-1636), surge na linha do soprano, dobrado pelo violino e flauta soli, sobre uma fantasia vocal, ao estilo de Pachelbel (1653-1708). O coro conclusivo, num andamento galante, convida todos os fiéis a acompanhar Cristo na alegria e na dor, enfatizando Bach as palavras Leiden [dor] e Bahn [caminho], o caminho para a Morte e Ressurreição, a expiação dos pecados do Mundo.
Por último, o concerto BWV1049 faz parte de um conjunto de Six Concerts à plusieurs instruments dedicados a Christian Ludwig (1677-1734), Margrave de Brandenburgo-Schwedt, em 1721. O nome genérico de Concertos Brandeburgueses surgiu anos mais tarde, pela mão de Philipp Spitta (1841-1894) na sua biografia de Bach, publicada em 1873.
A composição terá ocorrido entre 1717 e 1721, período em que Bach detinha o duplo cargo de Kapellmeister e Kammermusikdirektor da Corte de Leopold (1694-1728), Príncipe de Anhalt-Köthen.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Esta nova posição no aparato áulico implicava a composição de uma cantata por mês. De acordo com o Ofício luterano, a cantata desempenhava uma função litúrgica específica: ser interpretada entre a leitura do Evangelho e o Sermão, tendo como ponto de partida o evangelho do dia, e obedecendo às convenções esquemáticas da arquitetura musical luterana: um coro inicial, uma sucessão de recitativos-arias musicalmente contrastantes e um coral conclusivo.
Foi neste contexto profissional que Bach compôs as cantatas Mein Gott, wie lang e Himmelskönig, sei willkommen, ambas estreadas na capela do palácio ducal, Wilhelmsburg, respetivamente a 19 de Janeiro de 1716, 2º domingo depois da Epifania, e a 25 de Março de 1714, duplamente Domingo de Ramos e Festa da Anunciação.
O libreto da cantata BWV155 é de Salomon Franck (1659-1725), e reflete o Milagre das Bodas de Caná, do Evangelho de São João (2:1-11). Assim como Cristo transformou água em vinho, também o crente deve transformar as suas dúvidas em confiança.
O recitativo inicial representa uma alma desolada, sobre uma linha do contínuo tensa e interjeições dissonantes das cordas. O “vinho da alegria ausente” [Der Freude Wein gebricht] é ironicamente colorido por um melisma ascendente. No segundo andamento, o solo virtuoso do fagote obbligato assume o papel da alma perturbada, com o contralto e o tenor, comentando o drama, oferecendo palavras encorajadoras. O recitativo seguinte corresponde à vox Christi [a voz de Cristo], tradicionalmente entregue a um baixo. Será Jesus o vinho de conforto, a luz para as horas sombrias do nosso coração. A ária que lhe sobrevém é trespassada por uma profunda alegria, metáfora musical da confiança da alma do crente em Deus. O coral final corresponde à última estrofe do coral Es ist das Heil de Paul Speratus (1484-1551).
Refletindo a Entrada de Jesus em Jerusalém, do Evangelho de São Mateus (21:1-9), o libreto da cantata Himmelskönig, sei willkommen é atribuído a Salomon Franck, o autor dos libretos da grande maioria das cantatas de Bach do período de Weimar. Cristo não é apenas o Rei dos Céus e da Glória, é, igualmente, o Cordeiro imolado, o Salvador do Mundo.
Da turba bíblica ao crente individual, Bach vai dispensando o efectivo musical, do tutti da sonata e coro inicial à solidão da ária para tenor e contínuo.
De particular interesse são os dois últimos andamentos. O coral, última estrofe do hino Jesu Leiden, Pein und Tod de Paulus Stockmann (1603-1636), surge na linha do soprano, dobrado pelo violino e flauta soli, sobre uma fantasia vocal, ao estilo de Pachelbel (1653-1708). O coro conclusivo, num andamento galante, convida todos os fiéis a acompanhar Cristo na alegria e na dor, enfatizando Bach as palavras Leiden [dor] e Bahn [caminho], o caminho para a Morte e Ressurreição, a expiação dos pecados do Mundo.
Por último, o concerto BWV1049 faz parte de um conjunto de Six Concerts à plusieurs instruments dedicados a Christian Ludwig (1677-1734), Margrave de Brandenburgo-Schwedt, em 1721. O nome genérico de Concertos Brandeburgueses surgiu anos mais tarde, pela mão de Philipp Spitta (1841-1894) na sua biografia de Bach, publicada em 1873.
A composição terá ocorrido entre 1717 e 1721, período em que Bach detinha o duplo cargo de Kapellmeister e Kammermusikdirektor da Corte de Leopold (1694-1728), Príncipe de Anhalt-Köthen.
Nota de programa — José Bruto da Costa
Programa do Concerto
Johann Sebastian Bach 1685 - 1750
Cantata “Mein Gott, wie lang, ach lange” BWV 155
I. Recitativo (Soprano) | Mein Gott, wie lang, ach lange? |
II. Aria (Alto, Tenor) | Du mu∫t glauben, du mu∫t hoffen |
III. Recitativo (Baixo) | So sei, o Seele, sei zufrieden! |
IV. Aria (Soprano) | Wirf, mein Herze |
V. Coral | Ob sich anlie∫, als wollt er nicht |
Concerto Brandenburgo Nº 4 em Sol Maior BWV 1049
I. Allegro |
II. Andante |
III. Presto |
Cantata “Himmelsköning, sei willkommen” BWV 182
I. Sonata |
II. Coro | Himmelsköning, sei Willkommen |
III. Recitativo (Baixo) | Siehe, siehe, ich komme |
IV. Aria (Basso) | Starkes Lieben |
V. Aria (Alto) | Leget euch dem Heiland unter |
VI. Aria (Tenor) | Jesu, lass durch Wohl und Weh |
VII. Coral | Jesu, deine Passion |
VIII. Coro | So lasset uns gehen in Salem der Freuden |
Músicos
Mónica Monteiro, Soprano
Elsbeth Gerritsen, Mezzosoprano
William Knight, Tenor
Matthew Baker, Baixo
Elsbeth Gerritsen, Mezzosoprano
William Knight, Tenor
Matthew Baker, Baixo
Dima Smirnoff, Violino principal
Raquel Cravino, Violino
Maite Larburu, Violino & Viola
César Nogueira, Viola
Diana Vinagre, Violoncelo
Benny Aghassi, Fagote & Flauta
Kees jan de koning, Flauta
Fernando Miguel Jalôto, Órgão & Cravo
Raquel Cravino, Violino
Maite Larburu, Violino & Viola
César Nogueira, Viola
Diana Vinagre, Violoncelo
Benny Aghassi, Fagote & Flauta
Kees jan de koning, Flauta
Fernando Miguel Jalôto, Órgão & Cravo